O dia começou pesado, cruzar a fronteira até o Peru não foi nada fácil, apenas 9 km separam os países e o trajeto foi muito tenso, com várias pessoas no trecho boliviano travando a estrada  com pedras gigantes em protesto por motivos que desconhecemos , mas que nos ameaçaram  várias vezes com pedras, paus e gritos de que não poderíamos passar , assim que nos aproximávamos….
No primeiro bloqueio demos carona a um casal chileno, a garota dizia que  estava passando mal e por isso não poderiam ficar ali… logo vimos que era conversa e então pedi para que ela realmente simulasse que estava  muito mal… e assim com a simpatia e cara de pau do Sérgio, mais a menina  caída na parte de trás do carro passamos nos dois primeiros bloqueios… no terceiro  a coisa foi feia e um tiozinho já veio com uma pedrona na mão, cheio de marra e quando o Sérgio disse que éramos brasileiros ele já logo disse que foi assaltado no Brasil… sorte que logo apareceu outro bem mais educado, que parecia ser quem comandava a bagunça e disse que poderíamos passar e ainda nos indicou um atalho… Ufaaaaaaa ! O dia só estava começando…
Feito o tramite na Aduana, fomos instruídos para seguirmos direto para Puno,  a primeira cidade Peruana que poderíamos fazer o SOAT, que é um seguro obrigatório para circularmos pelo Peru de carro. O agente da aduana nos disse que se a polícia nos parasse  e não tivéssemos o seguro, poderiam apreender o carro… pois é mas antes de Puno, esse tal seguro não é vendido em lugar nenhum….
Adivinha?  Poucos kms depois nos pararam… não demos nem chance do pobre guarda pedir… já fomos dando a mão, cobrindo o pobre de perguntas, oferecendo bolachinha… funcionou  e ele logo nos dispensou… comemoramos! Eba, nosso dia de sorte!!! Sem saber o que vinha pela frente.
Paramos 15 minutos no centro da cidade de Puno para fazermos o tal do SOAT, e quando regressamos ao carro, que estava em frente a uma escola, no centro da cidade, a menos de 300 metros de onde estávamos… surpresa, abriram o carro e levaram muita coisa… máquina fotográfica, baterias e carregadores, ipad, GPS, celular, roupas, mochila com coisas de mergulho, todas as minhas roupas íntimas e produtos de higiene pessoal, meu livro de inglês… que já estava difícil aprender com ele,  imagine sem… enfim, fizeram a limpa em quinze minutos, certeza que já estavam de olho desde que entramos na cidade.
Ficamos em estado de choque, sem saber o que fazer,  o Sérgio foi perguntar para uma senhora de um comércio em frente onde estava o carro se ela havia visto algo e ela ainda o xingou. Fomos a polícia e nos disseram que estavam na hora do almoço! Nossa sorte é que nossos cartões e documentos estavam com a gente.
Ainda para ajudar o carro não estava muito bom e tínhamos que parar para dar uma olhada.Sem pensar muito, paramos no primeiro lugar que vimos e quando o senhor que nos atendeu perguntou se estava tudo bem, o Sérgio lhe respondeu que não e contou o que havia passado. Nessa hora eu já me desmanchava em choro…
Este senhor nos colocou em seu carro, nos levou até uma loja para comprarmos o GPS, que era o mais importante no momento, fez tudo que era necessário no carro e não nos cobrou um centavo. Pedia desculpas a todo momento com vergonha de termos sido recebidos assim em sua cidade…

Passamos dois dias anestesiados, sem saber o que fazer… nossas coisas que conseguimos com tanto esforço em quinze minutos sumiram… andávamos feito baratas tontas pela cidade na esperança de ver alguém com alguma coisa nossa… Mas aquele senhor da oficina, nos deu uma lição… uma coisa ruim, virá seguida de uma boa, e a boa tem que ter mais importância, foram coisas, poderiam ter nos machucado ou  até nos matado.

Tudo continuava igual e teríamos que seguir em frente! Tivemos que digerir a situação, comprar o que era indispensável, e desapegar… tentar esquecer,  tirar o ódio e a revolta que estavámos  sentindo… mas continuávamos com a certeza de que, se vissemos alguém com alguma coisa nossa passaríamos com o carro em cima  rssssss.

Fomos culpados pelo acontecido… quando saimos de casa sabíamos que quase todos os viajantes como nós já passaram por essa situação, conhecemos vários que estão na estrada ou já regressaram que passaram que nos alertaram. Esses marginais sabem que overlanders levam muitos eletrônicos, afinal a casa é o carro, e lá está tudo que nos pertence… seria uma paranóia imensa andar com tudo de valor por todos os lados e arriscado também.

Quando nos sentimos livres no mundo é comum achar que todo lugar é tranquilo, que todas as pessoas são do bem, esquecemos que somos observados e vulneráveis a todo tempo. Não ficamos neuróticos, mas mudamos nosso jeito de viajar, procuramos primeiro um lugar para deixar o carro seguro e depois fazemos nossas coisas, caminhando,  de ônibus… com o mínimo de coisas possível, para passarmos despercebidos… E assim é, se estávamos vivendo com pouco, agora estamos com menos ainda. Mas ninguém rouba alegria de viver, felicidade por estar vivendo uma experiência única e força para conseguir tudo que necessitamos novamente.
“O QUE SE PAGA COM DINHEIRO É BARATO”
É isso…

Depois de dois dias fora do corpo, chegamos a conclusão, que não poderíamos  mudar nossos planos, teríamos que esquecer, continuar fazendo nossas coisas e tirar aquela impressão ruim que estávamos da cidade, das pessoas e do país, resolvemos conhecer os lugares e fazer nosso trabalho com os cães, isso foi muito bom, mas não demorou muito para sermos assaltados de novo…mas de outra forma!
Passeamos por Sillustane, uma necrópole inca muito interessante, um pouco distante de Puno, paisagem calma e tranquila onde nossos pensamentos voltaram para o lugar… e fiz uma amiga linda!

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De lá, decidimos conhecer as Islas Flotantes de Urus,  retornado ao centro de  Puno,   buscamos o passeio de barco que  leva às ilhas montadas no lado peruano do Lago Titicaca, então fomos tomar informações sobre o passeio.

Um senhor com a maior cara boa, todo sorridente nos abordou em frente a sua agência meia boca de turismo, falamos que só iriamos se encontrassemos onde deixar o carro em segurança e ele nos disse que tinha uma garagem ! Ok, tudo que precisávamos, acertamos o valor do passeio que seriam 25 Soles cada um e pronto!  Primeira surpresa, quando chegamos, a garagem não era dele e teríamos que pagar para deixar o carro lá… segunda surpresa, quando fomos ao barco, que  também não era dele, todos haviam pago 10 e nós 25 cada. Voltamos na agência e questionamos o valor que nos cobrou e depois de um certo desconforto, ele disse que pagaria a garagem . OK… fazer o que?

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Fomos ao passeio acreditando nisso… retornamos às 20:30 da noite e quando fomos buscar o carro, o pobre senhor e sua senhora disseram que ele não havia pago e que fazia isso normalmente, ainda cobrava caro das pessoas e dava moedas para eles. Já era  noite e  não havia o que fazer, então acertamos um valor  com o senhorzinho, dormimos por lá mesmo e preparamos o discurso para pegarmos o safado no dia seguinte.
Acordamos cedo, pagamos o velhinho e partimos para “agência de turismo”.

Para sorte dele ou nossa, sei lá, estava fechada. Depois de dez minutos parados na porta, juntando a raiva do assalto mais o ódio daquele indio espertão, borbulhando dentro da gente, resolvemos ir embora, mas  o Sérgio saiu do carro com uma cara de  quem ia matar um e  fez xixi na porta, na maçaneta, na fechadura da tal agência… eu não acreditava no que via… nisso apareceu o funcionário com a chave na mão gritando que ele não poderia fazer aquilo. Educadamente Sérgio, fechou as calças, olhou para ele e disse: Avise para seu chefe que volto daqui dez minutos com a polícia… Polícia aquela que estava na hora do almoço no dia do assalto… rsssss
Saimos com a cara fechada e depois de cinco minutos, olhamos um para o outro,  demos uma gargalhada tão boa, daquelas que até cansa sabe?
Roubados, mas vingados… Seguimos para Cusco.